A minha alegre casinha: Como reorganizar a casa em tempos de teletrabalho

Três especialistas em matéria de organização e de bem-estar explicam como podemos reorganizar a casa, agora que esta passou a ser o escritório, a sala de aulas, o recreio, o ginásio – e, muitas vezes, tudo isto ao mesmo tempo

Eliana Tomaz viu tudo a acontecer com os olhos de quem se formou em Design de Interiores. Ela, que tinha passado cinco anos a desenhar escritórios e hotéis em Londres (especializou-se em Design Espacial, na Central Saint Martins), percebeu que o teletrabalho vinha para ficar. Em setembro de 2020 – depois de ter regressado a Lisboa, onde nos últimos cinco anos tem desenvolvido projetos de interiores paralelamente à Tomaz Design, a sua marca de acessórios de moda e de utilitários para a casa –, decidiu criar um serviço de reorganização da casa. Chamou-lhe Home & Office. “Explicava às pessoas e elas não entendiam. Julgavam que eu estava a propor-me para ensinar-lhes a altura certa da secretária e da cadeira, ou para mudar os cortinados e o sofá”, conta, reconhecendo que a profissão se presta a equívocos. “Por norma”, sublinha, “já temos tudo em casa [mesa, cadeiras, candeeiros…], fomos comprando consoante as nossas possibilidades e o nosso gosto”.

O que Eliana se propõe a fazer é antes repensar a forma como a casa está organizada, numa altura em que esta passou a ser o escritório, a sala de aulas, o recreio, o ginásio, o restaurante, onde fazemos as compras e, muitas vezes, tudo isto ao mesmo tempo. “Todas as funções que se espalhavam ao longo do tempo passaram a estar condensadas na casa. Deixou de haver um refúgio”, resume. “Tudo isto junto, sem querer exagerar, é uma bomba que pode explodir a qualquer momento, no nosso conforto e bem-estar.”

O alarme toca de cada vez que a ouvimos falar sobre os erros que cometemos, desde que pegámos no portátil, ou na torre do computador mais o ecrã, e nos acomodámos entre quatro paredes, convictos de que isto era só durante umas semanas – ou meses, vá. Fazer da mesa da sala a secretária? Continuar a tropeçar no computador, depois de um dia de trabalho? Escolher a estante de livros como fundo de ecrã nas reuniões de trabalho? “É importante ter um local fixo de trabalho, porque conseguimos produzir mais e melhor. Se, pelo contrário, chegamos ao fim do dia, arrumamos o computador e os papéis numa gaveta para, no dia seguinte, às 9 da manhã, voltarmos a tirá-los, temos a sensação de que é tudo temporário.”

Para a designer, há quatro itens importantes quando se pensa em criar um posto de trabalho: tentar ao máximo que se esteja ao pé da luz natural (porque é de dia que trabalhamos); evitar pontos de desconcentração numa reunião de trabalho, de forma que a outra pessoa esteja concentrada na conversa; ter o computador numa posição que nos dê controlo sobre o que estamos a fazer (nunca estarmos de costas para o que se passa em casa); e ter campo de visão, porque isso estimula a criatividade, a cada vez que precisamos de fazer uma pausa. “Trabalhar de frente para uma parede, sem saber o que se passa atrás de nós, cria um bloqueio”, justifica. Eliana nunca diz de antemão o que vai fazer, tudo passa por um estudo e, depois, por uma proposta apresentada em desenho. “É a melhor forma para as pessoas perceberem o que estou a propor. Se lhes disser que vou mudar o sofá de lugar, ouço logo um não.”

Tirar o chip do trabalho
Na opinião de Eliana Tomaz, ter rituais – como seja fazer jardinagem, palavras-cruzadas, ler um livro ou até beber um copo de vinho – e criar uma zona na casa para esse ritual “é importantíssimo”. “Ajuda-nos a fechar o dia, pois permite fazer a distinção entre o momento em que desligamos o computador e não queremos pensar mais em trabalho”. Também Vanda Boavida, autora do livro Casa com Alma (ver caixa Ler quem sabe), acabado de lançar, sublinha a importância de se criar rotinas. Pôr luzes mais ténues ao final do dia ou utilizar velas, por exemplo, é meio caminho para que o corpo se vá adaptando ao descanso e comece a reduzir a energia, de forma a se promover o sono profundo e reparador. “O facto de as pessoas estarem confinadas e de não terem contacto com a Natureza”, nota, “faz com que se sintam um pouco prisioneiras”. E continua: “E isso afeta até o nosso relógio biológico. É como se estivéssemos a viver num avião, em jet lag profundo. Muitas vezes, nem temos consciência do dia a passar, porque estamos absorvidos com as tarefas dentro de casa.”

Vanda Boavida é professora e consultora de decoração de interiores com feng shui, dá workshops e cursos online. Foto: Joana Luis

Consultora certificada de feng shui, pela Central Academy of Feng Shui, na Malásia, Vanda reconhece que o livro veio na altura certa: “Estamos a viver momentos de incerteza, e essa incerteza cria ansiedade. O objetivo do livro é promover o equilíbrio e o bem-estar, de forma a ajudar-nos a viver melhor. E depois fazer o pleno não só com toda a parte de decoração da casa mas também com a alimentação.” Em Casa com Alma, a autora junta os princípios do feng shui, do vision board (ou quadro de sonhos, que passa por colocar na casa os desejos e objetivos, de modo a visualizar essa energia e incutir o que é importante para nós) e do kaisen, método japonês, criado após a II Guerra Mundial, com estratégias que ajudam a reduzir o desperdício e a aumentar a produtividade, privilegiando o desenvolvimento pessoal. “É a Marie Kondo das empresas. A Marie Kondo utiliza 1/10 do método kaisen, e só na arrumação da casa”, explica Vanda Boavida que, além de workshops de feng shui online (em que aborda temas como cores, materiais, formas, cinco elementos, layout, yin e yang, iluminação), faz consultoria de decoração de interiores.

O método KonMari
Rafaela Garcez sempre gostou de arrumar e de organizar, mas não sabia que podia fazer disso profissão. Formada em Design Gráfico, em 2017, descobriu os livros de Marie Kondo – a guru da arrumação que o programa A Magia da Arrumação (Netflix) deu a conhecer – e percebeu que era esse o caminho que ela queria seguir. Dois anos depois já estava em Nova Iorque a fazer uma formação intensiva de três dias no método KonMari, criado pela japonesa. O método baseia-se na ideia de manter apenas as coisas que nos trazem alegria, fazendo essa pergunta em relação a todos os objetos que temos em casa. “O meu trabalho é quase como o de um personal trainer (PT)”, compara Rafaela. “Toda a gente sabe fazer exercício físico, como se perde peso e, no entanto, os PT e os nutricionistas estão cheios de clientes, porque é importante ter alguém que os motive. Já tive clientes bastante focados e decididos e que, mesmo assim, me contrataram porque é um compromisso que fazem.”

Organizadora profissional, Rafaela Garcez é uma das primeiras portuguesas certificadas no método KonMari, desenvolvido pela japonesa Marie Kondo

Ao questionarmos se os objetos que escolhemos manter em casa nos trazem felicidade, continua Rafaela, “percebemos que guardamos muita coisa que não nos diz nada, que não é útil ou que já serviu o seu propósito, mas aos quais continuamos agarrados por questões emocionais ou porque achamos que vamos precisar deles. Por uma série de desculpas que inventamos, no fundo”. O método segue uma ordem específica: roupa, livros, documentos, komono (são todos os outros objetos, seja os da cozinha ou os da casa de banho, por exemplo) e, no final, os itens sentimentais. “São os mais difíceis de decidir, porque não têm propriamente uma utilidade, mas representam a nossa história, os nossos valores”, explica Rafaela. “Ficam para o fim porque estão por toda a casa, e o objetivo é que se crie uma zona/divisão para esses objetos.”

Uma sessão (de 5 a 7 horas, no máximo) começa com muitas perguntas e, numa fase inicial, “a casa fica caótica”, conta Rafaela Garcez. A organização é feita por categoria e não por divisão da casa. Tudo de uma vez, “para se perceber que não precisamos de 30 casacos, por exemplo”. No final da grande seleção, Rafaela recomenda as dobras do método KonMari e várias técnicas de organização. “Temos de abrir espaço na agenda, é um processo que demora tempo. Organizar a casa não é uma coisa que se faça num domingo à tarde.” Além das sessões presenciais (uma ou mais, consoante a disponibilidade do cliente), por causa da pandemia, Rafaela dá aulas online, de duas horas, que permitem conhecer melhor o método.

Para Eliana Tomaz, o segredo para termos uma casa confortável, onde nos sentimos bem, está em estabelecer prioridades, se pensarmos que a secretária tem tanto valor como a mesa de jantar ou o sofá. E, nesse campeonato, impõem-se várias perguntas que nos ajudam a tomar decisões. “Há sempre forma de mudar as coisas, não tem que ver com gastar uma fortuna numa lista de compras. É uma questão de olhar de fora e de desafiar as leis do design de interiores clássico. E, por norma, consegue-se.” Um pouco de otimismo, nos tempos que correm, também ajuda.

Artigo disponível online.